Luto
Drauzio Varella
A perda de um ente querido é das experiências
mais dolorosas. Nossa identidade e o senso de pertencer a um grupo
são inseparáveis daqueles que nos cercam. Quando um deles se vai,
deixa um espaço vazio na rede social que nos dá suporte, e cria
sensação de isolamento.
Estar de luto abala a integridade do psiquismo e
provoca sintomas fisiológicos que evoluem com o passar do tempo.
Finalmente, a medicina e a psicologia têm procurado estudá-los, nos
últimos anos. O The New England Journal of Medicine traz
uma revisão sobre o tema.
O luto tem uma fase aguda que envolve respostas à
separação e ao estresse. É caracterizada por saudades, sentimentos
de perda, tristeza, pensamentos e imagens da pessoa falecida. Ouvir a
voz, ver e sentir sua presença podem representar formas de
alucinações benignas, sem significado psicopatológico.
Nessa fase, costuma haver confusão a respeito da
própria identidade e do papel no ambiente social, tendência a
afastar-se das atividades habituais, desesperança e diferentes graus
de apatia. Os sintomas incluem ansiedade, disforia, raiva e
depressão, associados a alterações fisiológicas: taquicardia,
aumento da pressão arterial, da produção dos hormônios envolvidos
no estresse, distúrbios de sono e deficiência imunológica.
No período que se segue ao falecimento, aumenta o
risco de infarto do miocárdio, das cardiopatias de estresse, de
distúrbios de humor e ansiedade e do abuso de drogas lícitas ou
não.
Vem em seguida, a fase de adaptação,
caracterizada por alternâncias imprevisíveis entre aceitação e
emoções negativas. A intensidade do luto diminui gradativamente com
o passar dos meses, embora os sintomas possam retornar em momentos de
dificuldade e em ocasiões especiais – aniversários, Natal.
Pensamentos e comportamentos característicos da
falta de adaptação e desgostos da vida cotidiana podem interromper
os mecanismos adaptativos e provocar regressão à fase aguda.
Quando surgem as complicações classificadas como
“distúrbio de luto prolongado”, o quadro persiste por períodos
mais longos do que as normas sociais consideram aceitáveis e
comprometem as atividades diárias. A prevalência dessa condição
na população mundial é de 2% a 3%.
Essas porcentagens aumentam para 10% a 20% na
perda de uma parceria romântica e atinge os valores mais elevados
entre os pais que perderam filhos. A probabilidade aumenta no caso de
mortes súbitas e diminui quando a perda é de um dos pais, avós ou
amigos próximos. O grupo mais sujeito ao luto prolongado é o das
mulheres acima de 60 anos.
Estudos neuropsicológicos realizados nesses casos
revelam anormalidades nos neurônios conectados ao sistema de
recompensa, à memória autobiográfica e nas redes que regulam as
emoções e as funções neurocognitivas.
As complicações do luto estão associadas a
distúrbios do sono, abuso de drogas, ideações suicidas, depressão
da imunidade, doenças cardiovasculares e dificuldade para seguir
tratamentos de outros problemas de saúde, como hipertensão ou
diabetes.
A característica principal é a tristeza profunda
e prolongada, acompanhada de pensamentos insistentes ou imagens da
pessoa falecida, raiva, sentimento de culpa, descrédito e
inadequação para aceitar a realidade. Enquanto alguns procuram
evitar situações que lhes tragam a lembrança da perda, há os que
se apegam às roupas e objetos da pessoa que se foi.
Frustrados por não conseguir ajudar, amigos e
parentes se afastam, aumentando a sensação de isolamento e a crença
de que a felicidade só era possível na companhia do ente querido,
que não está mais neste mundo.
O tratamento de escolha é a psicoterapia, de
preferência conduzida por especialistas em lidar com situações de
luto, profissionais difíceis de encontrar. O objetivo da terapia é
restaurar a autoconfiança, o entusiasmo para planejar o futuro e
ajudar a pensar na morte sem evocar culpa, revolta ou ansiedade.
O papel dos antidepressivos é controverso, porque
faltam estudos bem conduzidos. A maioria dos psiquiatras, no entanto,
procura prescrevê-los em conjunto com a psicoterapia. Embora
limitada, a experiência sugere que os resultados são melhores com a
associação.
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